quinta-feira, 28 de julho de 2011

INFORMATIVO CREMEC

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CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DO CEARÁ

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PARECER CREMEC n° 12/2011

16/04/11

PROCESSO-CONSULTA PROTOCOLO CREMEC nº 7683/2010
ASSUNTO:
TRANSEXUALISMO E CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO
INTERESSADO
: DR. FRANCISCO VIRGÍLIO CRUZ DOURADO, CREMEC 5392

PARECERISTA: CONS. HELVÉCIO NEVES FEITOSA

EMENTA: A cirurgia de transgenitalização em casos de transexualismo está normatizada pela Resolução CFM n° 1.955/2010. Há a necessidade de obediência aos critérios mínimos para a caracterização do transexualismo. A seleção dos pacientes deverá ser feita obrigatoriamente por equipe multidisciplinar, com acompanhamento mínimo de dois anos. Os estabelecimentos devem ter a equipe multidisciplinar completa, inclusive prevista em regimento interno, com corpo clínico inscrito no Conselho Regional de Medicina e com Comissão de Ética funcionando de acordo com a legislação pertinente. Há sempre a necessidade de consentimento livre e esclarecido a preceder as intervenções cirúrgicas.

DA CONSULTA

Médico com especialização nas áreas de Cirurgia Geral e Ginecologia e Obstetrícia dirige-se a este egrégio Conselho Regional de Medicina para saber como proceder diante da solicitação de um paciente, o qual compareceu ao seu consultório particular requerendo a retirada das mamas (mastectomia bilateral) e de um ovário (ooforectomia), visto que o mesmo se intitula transexual com aparência masculina, embora com genótipo feminino, porém com sexo social masculino. O paciente relata já ter sido submetido à histerectomia por endometriose, porém com preservação de um dos ovários.

Informa ainda o consulente que o paciente conseguiu trocar seu nome para masculino, constando um nome masculino em sua carteira de identidade, e que todo o trâmite judicial ocorreu sob segredo de justiça.

O paciente indagou para o consulente: se a justiça permitiu que o mesmo passasse a utilizar um nome masculino, porque teria que permanecer com as mamas femininas e o ovário? Relata que o paciente faz uso de testosterona e usa uma cinta no tórax para compressão das mamas, na tentativa de ocultá-las e ter aparência masculina. O paciente queixa-se que esta cinta em volta do tórax o incomoda muito, e que o mesmo não pode expor o seu tórax como desejava. Além disso, o ovário, com a produção de estrógeno, impede a ação da testosterona.

DO PARECER

A expressão transexualismo refere-se ao indivíduo que mesmo sabendo-se homem ou mulher, normal do ponto de vista biológico, encontra-se profundamente inconformado com seu sexo biológico e desejoso de modificá-lo para passar a pertencer ao sexo oposto. O indivíduo se sente, concebe a si mesmo e quer a todo custo se afirmar socialmente, inclusive em seu papel sexual, como pertencente ao sexo oposto, pois apresenta uma sensação de desconforto ou de impropriedade com o seu sexo anatômico. Destarte, rejeita seu próprio corpo de modo tal a impingir-lhe um sofrimento capaz de desequilibrá-lo psicologicamente. Esta rejeição pode levar o indivíduo à mutilação e ao suicídio.

A OMS considera tal condição como um transtorno de identidade de gênero. De acordo com a CID-10, para que o diagnóstico seja feito, a identidade transexual deve estar presente pelo menos dois anos e não deve estar associado a outros transtornos mentais, tais como: esquizofrenia e nem estar associado à anormalidade intersexual, genética e de cromossomo sexual. O transexualismo, segundo a CID-10, caracteriza um transtorno de identidade sexual (F-64) estando codificado como F64-0. A última classificação americana dos transtornos mentais (DSM-IV-TR) retirou dos seus diagnósticos os termos transexualismo, travestismo e homossexualismo. Ao invés disso, adotou-se o termo Transtornos da Identidade de Gênero para englobar tais condições, que é visto como menos preconceituoso ou discriminatório. Entretanto, a caracterização do transexualismo como transtorno mental é tema controverso. Na França, por exemplo, no ano de 2010, o transexualismo deixou de ser considerado uma doença mental, sendo o primeiro país do mundo a retirá-lo da lista das patologias psiquiátricas.

Com relação ao tratamento cirúrgico, o termo corrente em uso para definir mudanças das características sexuais é “Cirurgia de Reatribuição Sexual (ou Cirurgia de Redesignação Sexual) – CRS” (ou, em inglês, Sex Reassignment Surgery – SRS), um termo que nos remete à idéia de que as pessoas transexuais não estão mudando de sexo, mas corrigindo seus corpos.

Em nosso País, a Resolução CFM n° 1.955/2010, que dispõe sobre o tema, autoriza a cirurgia de transgenitalização nos casos de transexualismo, pois, no seu artigo inicial, resolve:

“Art. 1 ° - Autorizar a cirurgia de transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo.”

Os critérios para a definição do transexualismo foram estabelecidos também pela mesma Resolução:

“Art. 3º Que a definição de transexualismo obedecerá, no mínimo, aos critérios abaixo enumerados:

1) Desconforto com o sexo anatômico natural;

2) Desejo expresso de eliminar os genitais, perder as características primárias e secundárias do próprio sexo e ganhar as do sexo oposto;

3) Permanência desses distúrbios de forma contínua e consistente por, no mínimo, dois anos;

4) Ausência de outros transtornos mentais.”

A seleção dos pacientes para a cirurgia será feita mediante avaliação por equipe multidisciplinar, que avaliará os critérios de adequação à cirurgia, além de obediência a um tempo mínimo de acompanhamento:

“Art. 4º Que a seleção dos pacientes para cirurgia de transgenitalismo obedecerá a avaliação de equipe multidisciplinar constituída por médico psiquiatra, cirurgião, endocrinologista, psicólogo e assistente social, obedecendo aos critérios a seguir definidos, após, no mínimo, dois anos de acompanhamento conjunto:

1) Diagnóstico médico de transgenitalismo;

2) Maior de 21 (vinte e um) anos;

3) Ausência de características físicas inapropriadas para a cirurgia.”

Na regulamentação do procedimento cirúrgico, além da necessidade de observância aos pré-requisitos acima estabelecidos, o corpo clínico do hospital deve estar registrado no Conselho Regional de Medicina, a equipe assistencial deve estar completa e prevista no regimento interno da instituição, além da necessidade da existência da Comissão de Ética e do preenchimento do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme o estabelecido pela mesma Resolução do CFM:

“Art. 5º O tratamento do transgenitalismo deve ser realizado apenas em estabelecimentos que contemplem integralmente os pré-requisitos estabelecidos nesta resolução, bem como a equipe multidisciplinar estabelecida no artigo 4º.

§ 1º O corpo clínico destes hospitais, devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina, deve ter em sua constituição os profissionais previstos na equipe citada no artigo 4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica.

§ 2º As equipes devem ser previstas no regimento interno dos hospitais, inclusive contando com chefe, obedecendo aos critérios regimentais para a ocupação do cargo.

§ 3º Em qualquer ocasião, a falta de um dos membros da equipe ensejará a paralisação de permissão para a execução dos tratamentos.

§ 4º Os hospitais deverão ter comissão ética constituída e funcionando dentro do previsto na legislação pertinente.

Art. 6º Deve ser praticado o consentimento livre e esclarecido.”

PARTE CONCLUSIVA

A Resolução CFM n° 1.955/2010 autoriza a cirurgia da transgenitalização do tipo neocolpovulvoplastia e/ou procedimentos complementares sobre gônadas e caracteres sexuais secundários como tratamento dos casos de transexualismo, portanto, englobando os procedimentos sobre as mamas e os ovários. Há, entretanto, a necessidade de obediência aos critérios para a caracterização do transexualismo, a incluir a avaliação do paciente por uma equipe multidisciplinar especificada na norma citada, incluindo a necessidade de acompanhamento do paciente por um tempo mínimo de dois anos. Os estabelecimentos que se propuserem a realizar tais cirurgias devem ter seu corpo clínico registrado no Conselho Regional de Medicina, tendo em sua constituição todos os profissionais requeridos no artigo 4º, aos quais caberá o diagnóstico e a indicação terapêutica. A equipe multidisciplinar deve estar prevista no regimento interno da instituição hospitalar, que deverá ter comissão de ética constituída. Todos os procedimentos a serem executados devem ser precedidos de termo de consentimento livre e esclarecido.

Este é o parecer, s.m.j.

Fortaleza, 16 de abril de 2011

Helvécio Neves Feitosa
Conselheiro Relator

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