segunda-feira, 11 de agosto de 2008

BALANÇO DO IJF

BALANÇO DO IJF
Mais de 100 mil atendimentos


Grande demanda de pacientes atendidos pelo IJF é percebida já na entrada da emergência, onde doentes e acompanhantes se acumulam à espera de leitos ou de transferência (Foto: Fábio Lima)

O estudante Kauê Sales foi baleado durante um assalto e ficou quatro dias no corredor do IJF
Em oito meses e cinco dias de trabalho, o IJF atendeu mais que a meta para o ano todo estipulada pela OMSO Instituto Dr. José Frota (IJF), maior hospital de traumas do Estado, poderia fechar suas portas hoje. O fechamento não seria pela falta de estrutura, superlotação ou greve dos médicos, mas sim porque, em oito meses e cinco dias de trabalho, ele ultrapassou a meta ideal de atendimentos em um ano, para um hospital desse porte, estipulada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 2008, o hospital já atendeu a 111.430 pessoas, quando, em um ano todo, deveria atender a aproximadamente 80 mil pacientes.Esse quadro mostra que cada vez mais pessoas estão sendo agredidas em Fortaleza, cada vez mais pessoas estão se acidentando no trânsito na Capital e Interior e cada vez menos o Sistema Único - e não unitário - de Saúde (SUS) está cumprindo o seu papel. Dizer que o IJF não pode fechar nunca é sobrecarregar uma única unidade de saúde com a responsabilidade de todo um sistema e isso não porque seja excepcional, mas, simplesmente, porque ela funciona 24 horas.Uma comparação entre os dados sobre o atendimento na unidade de 2007 e 2008 revela que, de janeiro a julho, houve uma redução de aproximadamente 8,7% no número geral de atendimentos realizados. No ano passado, 119.645 pessoas foram atendidas na unidade nos primeiros sete meses do ano, enquanto este ano, foram 109.200 atendimentos.Um alívio momentâneo, mas que não exime os gestores da saúde de pensar soluções a curto prazo para essa questão, pois, se o IJF continuar trabalhando nesse ritmo (com corredores lotados e pacientes vindos do Interior sem referência de outras unidades), um colapso será iminente e os danos para o sistema de saúde poderão ser irreparáveis.“Esse cenário de um hospital terciário superlotado é um reflexo do terceiro mundo”, observa o superintendente do IJF, Wandemberg dos Santos. O gargalo do problema, segundo o gestor do hospital, está na atenção secundária. “Na questão da atenção básica, o número de pacientes vem reduzindo com o decorrer do anos. Já na questão da atenção secundária, o número vem aumentando”.Esses pacientes são pessoas que não estão em risco de morte - perfil do paciente terciário, mas que precisam de algum tipo de intervenção, seja ela cirúrgica ou não, e, portanto, precisam de leitos na unidade, o que acaba gerando a lotação. É cena corriqueira entrar na emergência do IJF e observar homens, mulheres, idosos e adolescentes deitados em macas, nos corredores, à espera de um leito que, na maioria das vezes, não é conseguido dentro da própria unidade. “Você sobrecarrega um hospital público e dá desconforto ao usuário, o que não é justo”, concluiu Wandemberg dos Santos.ResolutividadeNo entanto, mesmo com todo esse desconforto, as pessoas continuam procurando o IJF de forma espontânea. A explicação para isso é uma só: resolutividade. O superintendente da unidade garante que ninguém sai de lá sem receber atendimento ou encaminhamento para outro hospital.Esse poder de resolução do IJF já está tão intricado no imaginário popular que a dona-de-casa Elenilda Góes Holanda, de 45 anos, não pensou em outro hospital quando a mãe dela, Djanira Leite dos Santos, de 78 anos, começou a passar mal com dores no coração.As duas chegaram à unidade às 5h45 da quinta-feira. Seis horas depois, dona Djanira já tinha sido medicada e estava à espera da transferência para o Hospital do Coração de Messejana. Elenilda e Djanira moram no Parque Leblon, localizado no município de Caucaia. A dona-de-casa conta que não procurou atendimento na cidade de origem porque sabia que não iria ser bem atendida.“Vim direto para o IJF e não tenho do que reclamar do atendimento”, contou. Grande parte da clientela do IJF é de pacientes do Interior, apesar de não ser possível quantificar com precisão esse percentual, já que muitos temem ficar sem atendimento se disserem de onde vem. A estimativa gira em torno de 21% dos pacientes que chegam à emergência ou 45% dos que ficam internados.“Falta um hospital irmão para o IJF, para dividir essa responsabilidade. Essa hegemonia do IJF é ruim para o sistema de saúde”, conclui Wandemberg dos Santos.
PROTAGONISTASProfissionais são o maior patrimônio do hospitalMarilma MacielHá menos de um ano de trabalho como anestesiologista concursada do IJF, Marilma já viu de tudo um pouco na profissão. Nos plantões na emergência, seja de dia ou de noite, a adrenalina é uma companheira fiel da médica de 28 anos. Todo dia é uma experiência diferente e com ela Marilma cresce e se aperfeiçoa. A anestesiologista fez também a residência médica no IJF, portanto, tinha uma noção do que iria encontrar antes de prestar o concurso. Trabalho exaustivo, grande demanda de pacientes e poucos funcionários foram algumas questões encontradas pela jovem médica que não desanima e segue firme em seu propósito de servir à saúde.Fernando SiqueiraHá 18 anos, quando começou sua carreira no IJF, o cirurgião Fernando Siqueira também vivenciava a difícil rotina dos plantões na emergência. Passar pelo atendimento emergencial é o processo natural dos médicos que ingressam na unidade. Depois, eles alcançam outras posições dentro do próprio hospital, como foi o caso do Dr. Fernando, que há oito anos é chefe do serviço de cirurgia e coordenador da residência em cirurgia do IJF. Apesar das dificuldades e dos dissabores de trabalhar na rede pública, aos 48 anos de idade, o médico afirma com segurança que a maior recompensa do dia-a-dia é poder entregar uma pessoa curada para a sociedade.
A opinião do especialistasbot-ce@mcanet.com.brMANUEL BOMFIM BRAGA JÚNIOR *Mais um hospital já!Em uma década, o crescimento da população do Ceará foi de aproximadamente 2 milhões de habitantes. Somente Fortaleza tem quase 2 milhões e 500 mil pessoas, enquanto a Região Metropolitana já concentra perto de 3 milhões e meio de pessoas.Portanto, temos uma grande concentração populacional na Capital e na Região Metropolitana e apenas um hospital público terciário para atender a muitos desses habitantes.Desde a inauguração do IJF, nenhum outro hospital terciário foi aberto no Ceará. Hoje, temos uma quantidade enorme de pacientes que não são tratados adequadamente porque não há hospitais. Cidades como Caucaia e Maracanaú, as duas maiores da Região Metropolitana, não dispõem de um equipamento hospitalar de alta complexidade e acabam enviando seus pacientes com referência ou através de uma demanda espontânea para Fortaleza.Para resolver esse impasse, teríamos que construir não só um, mas pelo menos dois novos hospitais terciários. No entanto, o que observamos com o passar dos anos é a diminuição do número de emergências traumatológicas na rede. O Hospital Geral de Fortaleza (HGF), por exemplo, dispunha desse serviço há uns cinco anos e hoje não conta mais com ele.Diante dessa situação, não há dúvidas de que precisamos de mais um hospital terciário. Uma saída interessante seria a construção de uma unidade de alta complexidade nas dependências da Universidade Estadual do Ceará (Uece). O hospital, além de prestar atendimento à população, seria também um espaço para a formação dos estudantes e futuros profissionais de saúde.Fica o apelo aos gestores da saúde para dar um atendimento melhor aos usuários do sistema público de saúde.* Presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
VIOLÊNCIA URBANACresce agressão por arma de fogoPor prestar o atendimento mais especializado em termos de gravidade, o IJF acaba sendo o local para onde convergem as vítimas da violência urbana, que não são poucas. De janeiro a julho deste ano, 1.013 pessoas feridas por arma de fogo foram atendidas na unidade, o que totaliza um aumento de 6% nesse tipo de caso em relação ao mesmo período do ano passado.“Estamos numa curva ascendente de vitimados por arma de fogo”, observou o superintendente da unidade. Ele explica que, logo depois do plebiscito sobre o desarmamento, realizado em 2005, o número de agressões por arma de fogo era menor do que por arma branca. Em abril de 2006, as duas modalidades de agressão empataram e, de lá para cá, o uso de arma de fogo vem sendo mais intenso que o de arma branca.Este ano, 700 pessoas feridas por arma branca deram entrada no IJF, enquanto no ano passado, durante o mesmo intervalo de tempo, foram 626. Apesar do número ser menor que o de feridos com arma de fogo, o crescimento de um pouco mais de 11% das vítimas dessa modalidade de agressão, em relação ao ano passado, mostra que a violência urbana é produtora de uma grande demanda hospitalar não só da Capital cearense, mas do Estado de um modo geral.Uma dessas vítimas da violência foi o estudante Kauê Sousa Sales, de 17 anos. Ele foi baleado em um assalto há oito dias e acabou sendo levado para o IJF, onde passou quatro dias em uma maca, no corredor. Kauê já tinha passado por um hospital da rede conveniada ao SUS e foi transferido para o Frotão porque o caso dele requeria uma cirurgia que o outro hospital não realizava. “Estou aqui sem saber se vão fazer a minha cirurgia ou não”.Apesar da violência interpessoal estar crescendo, o alento para quem trabalha no Instituto Dr. José Frota está na redução da violência no trânsito, com a Lei de Alcoolemia Zero, e na violência doméstica, com a Lei Maria da Penha.Os números do trânsito mostram que os acidentes com moto caíram em torno de 10% este ano, quando 3.000 pessoas deram entrada no IJF. Com os atropelamentos não foi diferente. A redução ficou em torno de 4%, com um número absoluto de registros de 1.686 casos em 2008.
Naiana RodriguesRepórter

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